sexta-feira, novembro 25, 2005

Não é bem isso...

Quis explicar que tudo o que se diz não passa de um mal-entendido,
Mas fui mal interpretada.
E não entendi.

segunda-feira, novembro 21, 2005

O mesmo problema, lá e aqui

A indiferença, sabemos todos, gera a raiva. Talvez não diretamente, mas a humilhação é sempre indesejável e, quando torna-se sistematizada em uma sociedade, a consequência não poderia ser muito diferente daquilo que vimos na França. Acho interessante refletirmos sobre os países ditos avançados: nos servem de modelo para quase tudo, exceto no momento em que não se enquadram em nossa teoria eventual. Há tempos perdi o improdutivo e duvidoso hábito de vociferar as glórias do Primeiro Mundo em contraposição ao meu subdesenvolvido país - e espero pacientemente que alguém me siga. Estaríamos, penso eu, mais próximos de iniciar um debate realmente eficiente no que concerne a transformar o Brasil em algo menos ruim possível. O exemplo é sempre bem-vindo, desde que seja respeitado o seu contexto. Do contrário, não tem valor ou serventia alguma, nem mesmo para ser apresentado numa relaxada e informal conversa de bar.

A crença mais sobressalente nas cabeças européias é a da superioridade racial, que "explicaria" (a flexão verbal e as aspas são minhas) a posição hegemônica da sociedade do Velho Mundo. A "irritante contraposição" cabe àqueles que buscam exatamente nos países europeus uma oportunidade melhor para a subsistência, resultado do desespero - ou mesmo alguns meros caprichos mundanos, resultado da conveniência. Confesso que o racismo exerce em mim tamanho poder de confusão. A teoria racial é apresentada como explicação geral para questões que em nada poderiam ter a ver com o fato de sermos diferentes entre nós. E é por isso que acho interessantíssimo o racismo: a capacidade que temos de escarafunchar soluções esdrúxulas para problemas absolutamente não-relacionados.

Mas volto à França, alvo direto dessas minhas reflexões. O que se passou no país que mais atrai turistas no mundo é fruto único da humilhação, da segregação e do preconceito. Se a nós ofende - ou, para a maioria dos nativos, incomoda - sermos constantemente interpelados por pobres e miseráveis em nossas ruas, não se enganem aqueles que programam prazerosas estadias nos mais "avançados" países do mundo. Não com a mesma freqüência, tampouco com a mesma dramaticidade, mas o problema estará lá, travestido de "pequeno distúrbio" de uma sociedade evoluída. Vai estar lá como sempre esteve nos subúrbios de Paris. Desempregados pelas origens árabes, menosprezados pela cor da pele. É um círculo, o cão que tenta morder o próprio rabo. Tão mais avançado é o país que esconde com maior eficiência as próprias demências. Eu estou com os revoltosos e acho, poderadamente, que é isso que falta ao Brasil.

E já que fiz uso da palavra, cedo a alguém mais capaz que eu. Os pequenos trechos a seguir foram extraídos de duas matérias veiculadas na revista Carta Capital, de 16 de novembro último, assinadas por Gianni Carta e Antonio Luiz M. C. Costa. Minha humilde opinião é que esses textos deveriam ser lidos por quem almeja o mínimo de humanidade e busca a mínima sabedoria possível, ao menos. Estão entre as páginas 42 e 49.

"Yusuf, filho de tunisianos, é carismático. Ele quer continuar a brincadeira, mas um de seus amigos o abraça. E diz: 'Vamos sair daqui, não queremos servir de palhaços para a imprensa'."

"Esteticamente, Clichy-sous-Bois [no subúrbio parisiense] é um horror. Enormes prédios sem alma, grafite em todos os muros, uma escola que lembra um presídio, um supermercado com produtos de terceira categoria. Em cada esquina, grupos de jovens, invariavelmente encapuzados."

"Filha de tantas revoluções sociais, religiosas e políticas, acompanhadas de outras tantas transformações radicais, a Europa e a França se apegam a uma 'identidade' de poucas décadas que imaginam eterna. Recusam a possibilidade de uma civilização multicultural [...]."

terça-feira, novembro 15, 2005

Sinceramente: falar em demasia não é uma coisa que combine com as mulheres. Aliás, que me perdoem os surdo-mudos, mas por si só o ato de falar tem seu lado fútil: pode até ser uma necessidade vital, mas até por isso é enfadonho e é absolutamente corriqueiro. A dicção humana cansa e só se salva por alguns discursos célebres aqui e por algumas músicas e peças bem interpretadas acolá. No mais, para se comunicar com os outros, a visão é mais sugestiva, a literatura é mais emocionante, e o beijo é seguramente muito mais prazeroso.

Acho que só os homens - esses seres infelizes e comuns - é que deviam fazer uso da voz em maior quantidade e decibéis de extensão, discursando por aí suas verdades inúteis e tolas. Melhor assim: eles se sentiriam mais felizes e tolamente ocupados, como crianças no jardim-de-infância, e dessa maneira aliviariam a fadiga, poupariam o trabalho e não gastariam inutilmente a beleza de suas companheiras, sem as quais dificilmente sobreviveriam.

Já às mulheres cairia muito melhor a obediência e a sedução inquestionáveis que emanam de sua calculada reserva sentimental. No sexo feminino, eu acho, o silêncio bem manejado é de uma contundência fantástica; já o uso da voz é o lugar comum que muitas vezes não satisfaz plenamente, a não ser que se dê ao pé do ouvido e na hora certa, ou com o apoio decisivo do olhar; por último o grito, que no gênero feminino é a exasperação possível da voz e da vontade, não passa, ao fim e a o cabo, de uma desaconselhável negação do melhor comportamento que pode decorrer de uma mulher, além de ser, no homem, a última barreira da já previsível e decantada estupidez masculina.

Uma mulher inteligente, se quer fazer ouvir sua opinião com a máxima vontade de convencer, nunca grita: baixa os olhos, arqueia os braços, joga com as sobrancelhas, mas poupa a garganta. Se sua indiferença mutila o homem, seu silencia o prostra moralmente, e o gênero masculino, regra geral, não conhece essas sutilezas e no mais das vezes sequer mereceria aprendê-las. Pior é que isso que digo sobre as mulheres e seus silêncios já se sabe há muitas eras, eu já percebi, mas mesmo assim anda tão difícil ver o olhar ganhar da gritaria que eu já não sei mais a quantas andamos. Acho que a Tati Quebra-Barraco está ganhando da Capitu, e de goleada.

E bem, sei lá: eu descrevi essa tese só para dizer que acredito nela. E também para dizer que as mulheres, se fizessem o favor de se portarem todas assim, fariam ao mundo um tremendo favor: encheriam o planeta de maior beleza e sofisticação, e deixariam só para os homens essa virtude inútil de falar e falar e falar até cansar, técnica antiga, desbotada e irritantemente usual, que não pode resolver qualquer coisa mais importante ou significativa do que, sei lá, montar um guarda-roupas.

Todos nós estamos saturados de tanta prolixidade em volta. Eu só quero olhares, poucas palavras necessárias, carinhosamente amenas, e sorrisos. Essa é a parte que eu quero que me caiba desse latifúndio, como quase diria um poema lá do nordeste.

quinta-feira, novembro 10, 2005

...you're an animal


DAN: When she came here, do you think she enjoyed it?
LARRY: I didn't do it to give her a nice time. I fucked her to fuck you up. A good fight is never clean. And yeah, of course she enjoyed it. As you know, she loves a guilty fuck.
DAN: You're an animal.
LARRY: Yeah? What are you?

terça-feira, novembro 08, 2005

Fui, galera!

Muitos me chamaram de louco quando afirmei que iria mais uma vez a Buenos Aires de ônibus só para ver o Inter. Respeitei a constatação, por terceiros, da minha loucura, mas já nessa censura identifiquei um dos traços escancarados da suposta insanidade, e traço esse que a revela como perfeitamente tolerável: a loucura, aos olhos do louco, é o supra-sumo da sua razão. O excesso, para o radical, é tão razoável que se justifica por si só.

Pouco importa a mania do louco quando ela é só sua, de si para si, inalienável e intransferível. Se ele ensaia “duplos twist carpados” no meio da turba em movimento na Esquina Democrática, ou se decide se enfurnar em uma estrada por quase dois dias para assistir a um jogo de futebol, o que muda são só os efeitos. O ato inofensivo do louco, quando dirigido a si mesmo, pelo menos dá à suposta loucura algum quê de engraçado e desculpável.

No futebol, essa matéria nebulosa para alguns, sou adepto da corrente do grande Nelson Rodrigues, que certa vez vaticinou com perfeição a gravidade que emana de um clássico: “o Fla-Flu começou quarenta minutos antes do nada”. É quase sempre nesse tipo de heróica e infantil irracionalidade que um torcedor fundamenta sua paixão. E dentro dessa sua loucura passageira e abrupta, solene e leve ao mesmo tempo, e que o satisfaz plenamente, espiritualmente até, por favor, convenhamos: há um tanto de bom senso bastante considerável a reconhecer.

Arriscar-se no estádio mais temido da América do Sul, antes de ser uma pequena loucura destina-se a ser uma pequena experiência. Já não se ouviu Camões alertar serem muitos os perigos do mar ao navegador, mas que foi lá que Deus espelhou o céu? Pois bem, na medida das proporções, eu também vou navegar em meio a uma grande tormenta. Mas claro - além do rápido passeio pela cidade e do café com medialunas que seguramente tomarei, o gosto da vitória, in loco, será fantástico. E eu quero crer na vitória.

O nosso blog tem uma quase-psicóloga, e ela certamente sabe muito mais do que eu sobre esses desvios da razão, se é que a razão é mesmo tão una e indivisível a ponto de não comportar desvios. Imagino que das duas, uma: ou colho dela uma opinião favorável, ou uma guia de internação psiquiátrica. Se for a segunda opção, espera eu voltar de lá para mandar me recolher, viu Carol?

Fui, galera! Até a volta!

sábado, novembro 05, 2005

Hérnandez

Hérnandez tinha 10 anos. Brincava entre as casas humildes da humilde Nicarágua. Meninos como ele corriam para lá e para cá, ajudavam os mais velhos, trabalhavam com os pais nos intervalos das brincadeiras. Hérnandez tinha o sangue índio correndo em suas veias. Sangue desprezado pelos brancos que chegaram há pouco e foram dando ordens, escravizando, estuprando. Matando.

Hérnandez tinha paixão por automóveis. Vira pouquíssimos circulando por sua vila, mas os amava. Projetava toscos carros em madeira e latão, para brincar com os pequenos vizinhos e amigos. Guiava velozes máquinas por entre os vales de sua imaginação e chegava até a Cidade Sagrada de seus ancestrais, muito longe, inatingível pelos pés humanos. O menino viajava a distância infinita e invencível em seu carro alado e lá reencontrava os avós e os entes mais queridos que já haviam chegado ao destino.

Hérnandez nunca vira seu próprio rosto. Um dia, um homem alto e de longos cabelos amarelos apareceu sorrindo e pediu que sorrisse. O barulho assustou o menino, que teve ímpetos de sair correndo. O homem pediu que esperasse e lhe estendeu a mão, na mão um papel, no papel a imagem: Hérnandez. Outro sorriso, desta vez sincero.

Hérnandez foi encontrado debaixo de algumas palmeiras que cobriam sua casa, o corpo franzino imóvel e sem a alegria de antes. A pequena foto ao lado, sorridente e sem cor, velava nossa criança. O jovem índio não pudera ao menos lutar: um risco de balas lhe crivara o peito. A guerra trazida pelo mercado chegara, punição horrenda e extrema para quem se recusava a dançar a música que o capitalismo toca. Creio que Hérnandez sequer tenha ouvido falar nisso. A Nicarágua consumiu energia dos vencedores. Os vencedores engoliram vidas nicaragüenses e finalmente, tão somente então, a Shell pode vender combustível para os humildes automóveis da Nicarágua.

Hérnandez agora viaja, em alta velocidade, rumo à Cidade Sagrada, e tem o consolo de ser o piloto mais hábil do céu tropical.

quinta-feira, novembro 03, 2005

O bar

O bar é animado, mas as pessoas são tristes. Poucas perceberam quando ele entrou no bar.

Ele percebeu as pessoas.

Ele tenta encontrar na multidão uma posição confortável para poder observar e permanecer no anonimato. Ele considera o anonimato confortável.

As pessoas no bar são confusas, falam alto demais, se acham espertas demais. Ele não se acha esperto.

Ele começa a perceber que aquele lugar não foi feito para ele.

Ele sempre percebe.

Alguém o identifica e vem ao seu encontro. Ele sorri e conversa de maneira extrovertida.

Embora possa parecer, ele não é extrovertido.

Expor-se incomoda tanto que ele procura subterfúgios para voltar à sua posição de observador. "Vou ao bar", diz ele, desvencilhando-se do sujeito.

Alguém de longe observa e pensa que se trata apenas de mais um cara chato. Ele percebe.

Ele sempre percebe.

Acha engraçado o julgamento preconceituoso. Acha irônico, porque se considera chato, mas seria "cool" demais para ele admitir isso.

Ele é um cara fácil de lidar. Mas não muito.

Na TV do bar ele vê o absurdo que ninguém vê.
Só era absurdo para ele.

Mas o que o bar, as pessoas e a TV mostram era insano demais para ele. Ele percebe que não deveria estar naquele lugar.

Ele sempre percebe

Ele quer sair dali. Ele vai sair dali.

O problema é que na saída está uma morena.
Surpreendentemente a morena se interessa por ele.

Ele se pergunta se vale a pena sair do bar e deixar a morena. Talvez ele nunca mais a veja.

Ele decide que vai ficar mais um pouco. Vai tentar convencê-la a sair.

A morena diz que agora é tarde, pois ele já decidira sair do bar.

Ele vai embora.
Contrariado

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