segunda-feira, novembro 21, 2005
O mesmo problema, lá e aqui
A indiferença, sabemos todos, gera a raiva. Talvez não diretamente, mas a humilhação é sempre indesejável e, quando torna-se sistematizada em uma sociedade, a consequência não poderia ser muito diferente daquilo que vimos na França. Acho interessante refletirmos sobre os países ditos avançados: nos servem de modelo para quase tudo, exceto no momento em que não se enquadram em nossa teoria eventual. Há tempos perdi o improdutivo e duvidoso hábito de vociferar as glórias do Primeiro Mundo em contraposição ao meu subdesenvolvido país - e espero pacientemente que alguém me siga. Estaríamos, penso eu, mais próximos de iniciar um debate realmente eficiente no que concerne a transformar o Brasil em algo menos ruim possível. O exemplo é sempre bem-vindo, desde que seja respeitado o seu contexto. Do contrário, não tem valor ou serventia alguma, nem mesmo para ser apresentado numa relaxada e informal conversa de bar.
A crença mais sobressalente nas cabeças européias é a da superioridade racial, que "explicaria" (a flexão verbal e as aspas são minhas) a posição hegemônica da sociedade do Velho Mundo. A "irritante contraposição" cabe àqueles que buscam exatamente nos países europeus uma oportunidade melhor para a subsistência, resultado do desespero - ou mesmo alguns meros caprichos mundanos, resultado da conveniência. Confesso que o racismo exerce em mim tamanho poder de confusão. A teoria racial é apresentada como explicação geral para questões que em nada poderiam ter a ver com o fato de sermos diferentes entre nós. E é por isso que acho interessantíssimo o racismo: a capacidade que temos de escarafunchar soluções esdrúxulas para problemas absolutamente não-relacionados.
Mas volto à França, alvo direto dessas minhas reflexões. O que se passou no país que mais atrai turistas no mundo é fruto único da humilhação, da segregação e do preconceito. Se a nós ofende - ou, para a maioria dos nativos, incomoda - sermos constantemente interpelados por pobres e miseráveis em nossas ruas, não se enganem aqueles que programam prazerosas estadias nos mais "avançados" países do mundo. Não com a mesma freqüência, tampouco com a mesma dramaticidade, mas o problema estará lá, travestido de "pequeno distúrbio" de uma sociedade evoluída. Vai estar lá como sempre esteve nos subúrbios de Paris. Desempregados pelas origens árabes, menosprezados pela cor da pele. É um círculo, o cão que tenta morder o próprio rabo. Tão mais avançado é o país que esconde com maior eficiência as próprias demências. Eu estou com os revoltosos e acho, poderadamente, que é isso que falta ao Brasil.
E já que fiz uso da palavra, cedo a alguém mais capaz que eu. Os pequenos trechos a seguir foram extraídos de duas matérias veiculadas na revista Carta Capital, de 16 de novembro último, assinadas por Gianni Carta e Antonio Luiz M. C. Costa. Minha humilde opinião é que esses textos deveriam ser lidos por quem almeja o mínimo de humanidade e busca a mínima sabedoria possível, ao menos. Estão entre as páginas 42 e 49.
"Yusuf, filho de tunisianos, é carismático. Ele quer continuar a brincadeira, mas um de seus amigos o abraça. E diz: 'Vamos sair daqui, não queremos servir de palhaços para a imprensa'."
"Esteticamente, Clichy-sous-Bois [no subúrbio parisiense] é um horror. Enormes prédios sem alma, grafite em todos os muros, uma escola que lembra um presídio, um supermercado com produtos de terceira categoria. Em cada esquina, grupos de jovens, invariavelmente encapuzados."
"Filha de tantas revoluções sociais, religiosas e políticas, acompanhadas de outras tantas transformações radicais, a Europa e a França se apegam a uma 'identidade' de poucas décadas que imaginam eterna. Recusam a possibilidade de uma civilização multicultural [...]."
A crença mais sobressalente nas cabeças européias é a da superioridade racial, que "explicaria" (a flexão verbal e as aspas são minhas) a posição hegemônica da sociedade do Velho Mundo. A "irritante contraposição" cabe àqueles que buscam exatamente nos países europeus uma oportunidade melhor para a subsistência, resultado do desespero - ou mesmo alguns meros caprichos mundanos, resultado da conveniência. Confesso que o racismo exerce em mim tamanho poder de confusão. A teoria racial é apresentada como explicação geral para questões que em nada poderiam ter a ver com o fato de sermos diferentes entre nós. E é por isso que acho interessantíssimo o racismo: a capacidade que temos de escarafunchar soluções esdrúxulas para problemas absolutamente não-relacionados.
Mas volto à França, alvo direto dessas minhas reflexões. O que se passou no país que mais atrai turistas no mundo é fruto único da humilhação, da segregação e do preconceito. Se a nós ofende - ou, para a maioria dos nativos, incomoda - sermos constantemente interpelados por pobres e miseráveis em nossas ruas, não se enganem aqueles que programam prazerosas estadias nos mais "avançados" países do mundo. Não com a mesma freqüência, tampouco com a mesma dramaticidade, mas o problema estará lá, travestido de "pequeno distúrbio" de uma sociedade evoluída. Vai estar lá como sempre esteve nos subúrbios de Paris. Desempregados pelas origens árabes, menosprezados pela cor da pele. É um círculo, o cão que tenta morder o próprio rabo. Tão mais avançado é o país que esconde com maior eficiência as próprias demências. Eu estou com os revoltosos e acho, poderadamente, que é isso que falta ao Brasil.
E já que fiz uso da palavra, cedo a alguém mais capaz que eu. Os pequenos trechos a seguir foram extraídos de duas matérias veiculadas na revista Carta Capital, de 16 de novembro último, assinadas por Gianni Carta e Antonio Luiz M. C. Costa. Minha humilde opinião é que esses textos deveriam ser lidos por quem almeja o mínimo de humanidade e busca a mínima sabedoria possível, ao menos. Estão entre as páginas 42 e 49.
"Yusuf, filho de tunisianos, é carismático. Ele quer continuar a brincadeira, mas um de seus amigos o abraça. E diz: 'Vamos sair daqui, não queremos servir de palhaços para a imprensa'."
"Esteticamente, Clichy-sous-Bois [no subúrbio parisiense] é um horror. Enormes prédios sem alma, grafite em todos os muros, uma escola que lembra um presídio, um supermercado com produtos de terceira categoria. Em cada esquina, grupos de jovens, invariavelmente encapuzados."
"Filha de tantas revoluções sociais, religiosas e políticas, acompanhadas de outras tantas transformações radicais, a Europa e a França se apegam a uma 'identidade' de poucas décadas que imaginam eterna. Recusam a possibilidade de uma civilização multicultural [...]."
Comments:
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Bah... Eu acho que as sociedades realmente avançadas, no sentido que a palavra deveria ter, são as sociedades do futuro. Pelo menos essa é a minha esperança.
Apesar de acreditar no ser humano, no que ele pode ter de potencial em refletir e mudar, acho que a história da humanidade é uma história preponderantemente de ganância.
Os livros de história não podem ser uma mera abstração.
Apesar de acreditar no ser humano, no que ele pode ter de potencial em refletir e mudar, acho que a história da humanidade é uma história preponderantemente de ganância.
Os livros de história não podem ser uma mera abstração.
147 comentários pro texto do dani até agora.. bah.
muito legal.
ah.. sim, agora é depois de antes.. hehehhee... tava boa a pizza e a companhia desses otários + 1.
Beijão!
muito legal.
ah.. sim, agora é depois de antes.. hehehhee... tava boa a pizza e a companhia desses otários + 1.
Beijão!
Tava legal sim, o papo todo, todinho. A pizza (convenhamos, né...), o capuccino e claro, ela, La Coca-Light. La más grande. Lejos.
Hahahaha! Só eu memso...
Saludos.
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Hahahaha! Só eu memso...
Saludos.
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