terça-feira, janeiro 31, 2006

As ruas


As ruas de Buenos Aires
já são minhas entranhas.
Não as ávidas ruas,
incômodas de turba e de agitação,
mas as ruas entediadas do bairro,
quase invisíveis de tão habituais,
enternecidas de penumbra e de ocaso
e aquelas mais longínquas
privadas de árvores piedosas
onde austeras casinhas apesas se aventuram,
abrumadas por imortais distâncias,
a perder-se na profunda visão,
de céu e de planura.
São para o solitário uma promessa
porque milhares de almas singulares as povoam,
únicas ante Deus e no tempo
e sem dúvida preciosas.
Para o Oeste, o Norte e o Sul
se desfraldaram - e são também a pátria - as ruas;
oxalá nos versos que traço
estejam essas bandeiras.

Jorge Luis Borges

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Jardim do Éden

“Um ser humano suave. Com a forte consciência de seu tempo. Que sabe fugir às veleidades quase sempre passageiras da personalidade e, delas livre, centrar-se com ternura na vida, com a decisão mansa - mas irresoluta - de residir íntima e emotivamente neste planeta. Ouvindo a eloqüência dos silêncios e o argumento invencível dos ventos batendo nas árvores, e acusando a si mesmo com sua própria certeza de que passará, passará, passará, será transitório e, nessa saudável insignificância frente ao mundo, poderá marcá-lo como nunca o faria se fosse eterno, porque a eternidade entre nós seria despida de sentido, seria aborrecida, e por desconhecer as amarras humanas e fazer tábula rasa de suas aflições, não teria capacidade de realizar qualquer valor minimamente humano”.

Quem diria isso? Será que alguém diria?

Voltei pensativo da praia.

domingo, janeiro 15, 2006

Formigas


(Main is character coming out of a subway and bumps into a girl.)

Girl: Excuse me.

Guy: Excuse me.

Girl: Hey. Could we do that again? I know we haven't met, but I don't want to be an ant, you know? I mean, it's like we go through life with our antennas bouncing off one another, continuously on ant auto-pilot with nothing really human required of us. Stop. Go. Walk here. Drive there. All action basically for survival. All communication simply to keep this ant colony buzzing along in an efficient polite manner. "Here's your change." "Paper or plastic?" "Credit or debit?" "You want ketchup with that?" I don't want a straw, I want real human moments. I want to see you. I want you to see me. I don't want to give that up. I don't want to be an ant, you know?

Guy: Yeah. Yeah, no. I don't want to be an ant either. Heh. Yeah, thanks for kind of jostling me there. I've been kind of on zombie auto-pilot lately, I don't feel like an ant in my head, but I guess I probably look like one. It's kind of like D.H. Lawrence had this idea of two people meeting on a road. And instead of just passing and glancing away, they decide to accept what he calls "the confrontation between their souls." It's like, um, freeing the brave reckless gods within us all.

Then it's like we have met.

(They shake hands)
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From Richard Linklater's Waking Life

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Devolução

A Paz de Coimbra, imposta pelo rei de Castela, Afonso VIII de Castela, ao rei de Leão, Afonso IX de Leão, foi assinada em 1212. Uma das imposições que o rei leonês fez foi a devolução a seu genro, Afonso II de Portugal de todos os castelos do Norte que tomara, quando da invasão de Portugal com o pretexto de defesa das infantas Sancha, Mafalda e Teresa.

O ciclo biológico do carbono comprende as trocas de carbono ( CO2 ) entre os seres vivos e a atmosfera, ou seja, a fotossíntese, processo na qual o carbono é retido pelas plantas e a respiração que o devolve para a atmosfera. Este ciclo é relativamente rápido; estima-se que a renovação do carbono atmosférico ocorre a cada 20 anos.

Em uma mensagem rápida e clara, ele pediu que devolvesse o livro que havia lhe emprestado.
Naquela hora, ela quis pedir muito mais coisas de volta: os beijos que lhe deu, a confiança, o fim de semana na praia, as tantas risadas que o fez dar.
Mas mudou de idéia. Percebeu que era tarde. Naquele momento, ele já havia colocado tudo fora.


[Fonte das inutilidades: Wikipédia e minha cabeça]

sábado, janeiro 07, 2006

O que eles realmente querem dizer

Todos sabem que o Orkut se presta às mais impensadas bizarrices. Poderia discorrer um texto inteiro falando sobre o próprio Orkut, com seus méritos e deméritos, mas algo me chamou mais a atenção e virou tema por si só.

É do conhecimento de todos a profusão descontrolada de comunidades, bem como os seus mais variados e esdrúxulos temas - que vão de marcas de pasta de dente a subespécies de orangotangos asiáticos. No entanto, todas essas comunidades que dissertam sobre temas concretos têm algo a acrescentar àqueles que por elas se interessam: você pode aprender, por exemplo, que orangotangos da Indonésia gostam mais da cor laranja do que seus primos do sul da Índia. Na minha opinião essas comunidades são úteis, oferecem alguma informação - mesmo que pouco qualificada e duvidosa.

Mas o que realmente me motivou a escrever não é esse tipo de comunidade. Estou falando das comunidades que não oferecem nada de concreto, aquelas que se prestam unicamente a qualificar seus membros, por exemplo: "Tenho medo de gurias laranjas" (2572 membros), ou ainda "Eu amo minha cadela" (159 membros). Essas comunidades não acrescentam em absolutamente nada, não oferecem informação em nenhum nível, as discussões se desenrolam de maneira débil - não há o que ser discutido, funcionam apenas como "rótulo".

Há ainda um subgrupo dentro desse tipo de comunidade - e aí está a categoria mais curiosa - que é a das comunidades que rotulam dizendo algo, mas que na verdade querem dizer outra coisa. Por exempo:

"Eu sou pra casar" (510410 membros) - A grande maioria das integrantes dessa comunidade nem ao menos cogita a hipótese do casamento. A intenção das membras é indiretamente dizer a quem possa interessar que: Não! Elas não dão no primeiro encontro. Não! Elas não namoram você, se você for xinelão. Em suma, é uma variante moderninha do que antigamente seria chamado de "Eu sou menina de família".

"Grêmio y Boca – Hermanos Azules" (9679 membros)- Os desinformados poderiam pensar que se trata de uma comunidade composta por torcedores dos dois clubes, que se uniram para relembrar alegremente dos tempos em que conquistavam títulos com ajuda mútua. Ledo engano. Se existe algum argentino na comunidade, ele foi naturalizado brasileiro e, além disso, Grêmio, Boca e suas respectivas torcidas nunca se encontraram na história do futebol recente. O verdadeiro nome da comunidade deveria ser: "Gremistas que idolatram o Boca Jrs", ou então "Boca, continue ganhando do Inter, por favor".

"Eu sou foda" (130909 membros) – Sem comentários. Deveria se chamar " Eu tenho a maior necessidade de auto-afirmação". Amigo, se você é mesmo foda, guarde pra você.

"Sou legal, não to te dando mole" (579219 membros) – O título da comunidade é bem direto. De fato, muitas garotas entram na comunidade para alertar algum cara (geralmente bem específico) que elas não sabem dizer não, não querem ser grosseiras. Mas, misturadas entre elas está uma parcela perigosa do universo feminino: a das mulheres que gostam de fazer você de otário. Para essas, a comunidade funciona apenas como subterfúgio. Elas são capazes de fazer você acreditar que realmente estão interessadas em você, pelo simples esporte de poder esnobá-lo quando você se declarar. Cuidado, para essas, o nome deveria ser: "Gosto de tirar homem pra palhaço".

"Eu odeio Bush" (192942 membros)- Eu não quero aqui dar uma de advogado do diabo, pessoalmente também não concordo em muitos pontos do governo Bush, mas não há como negar que hoje ele é um alvo fácil até para um garoto de oito anos. A real intenção da comunidade é dizer: "Eu acho que eu tenho o mínimo de consciência política".

"Todas as mulheres são lindas" (8018 membros) - Das duas uma: ou você é mulher e é feia, ou você é um cara que não se importa em pegar mulheres feias. Não há mais nada a ser dito sobre essa comunidade.

"Eu odeio gente burra" (211923 membros) - A função dessa comunidade é comunicar que, em algum nível, você é mais inteligente do que alguém no planeta. E só. Sim, porque até hoje não nasceu ninguém que realmente gostasse de gente burra tendo plena consciência disso. O mesmo se aplica às comunidades do tipo: "Eu odeio gente falsa", "Eu odeio gente lerda", "Eu amo os meus amigos". Realmente interessante seriam as comunidades: "Eu amo gente falsa", "Eu adoro gente lerda" e "Eu odeio meus amigos". Essas eu iria dar uma olhada nos tópicos.

Essas são as que eu lembro. Se alguém lembrar de mais alguma, por favor, utilize os comentários.

Há de se ressaltar que não vejo nada de errado em participar de comunidades como essas, eu mesmo participo - por exemplo: "Eu sou prolixo" 88 membros (tire suas próprias conclusões.. hehehe). O que eu vejo de errado são as pessoas que realmente levam elas a sério. Aliás, quase nada no orkut deve ser levado a sério. Melhor ainda, quase nada do que vem do caldão pop-cult-info-hightech deve ser levado a sério...

..só o nosso blog.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Para o ano novo, pensamentos do passado acerca do futuro

Da série Paralelismos do Tempo, notas curtas de reflexões momentâneas:

I - O venerável Conde de Altamira formula raciocínios iluminados sobre a falsa valorização das idéias por parte da elite. Altamira denuncia que essa ínfima porção da sociedade apregoa o pensamento como virtude, desde que - obviamente - não atue como contestador à dominação daquela. Algo de Brasil nestas linhas...

"Mas o pensamento é odiado nestes salões. É preciso que ele não se eleve acima da agudeza de um verso de opereta: então é recompensado. Mas o homem que pensa, se tem energia e originalidade em seus conceitos, é chamado de cínico. (...) Tudo o que, entre vocês, vale alguma coisa pelo espírito, é entregue pela congregação à polícia correcional; e a alta sociedade aplaude. É porque esta sociedade envelhecida preza antes de tudo as conveniências... (...) Um homem que raciocina ao falar chega com freqüência a um raciocínio imprudente e o dono da casa se considera desonrado."

Stendhal, O Vermelho e o Negro, publicado originalmente em 1830.

* * *

II - O laborioso Dr. John Seward, num incrível vislumbre dos acontecimentos de quase um século adiante, comenta as virtudes ("virtudes"?) de Quincey P. Morris, vigoroso varão oriundo das mesmas plagas de nosso conhecido George W. Bush.

"Se o Continente Americano continuar a produzir homens de sua têmpera, seu poderio dentro em breve irá avassalar o Mundo."

Bram Stocker, Drácula, publicado originalmente na última década do século XIX.

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