terça-feira, dezembro 27, 2005
Fim de ano
Há uma incrível impropriedade em minhas palavras de a seguir. Talvez pela incongruência entre o período - natalino e de festas pelo final de mais um ano - e o sentimento, meu e de mais um tanto de pessoas. Mas existe, e é algo que não se pode negar ou esconder, uma irresistível atmosfera de tristeza e melancolia no ar. A mim parece uma característica tão intrínseca à segunda metade de dezembro que torna-se difícil aferir razões minimamente aceitáveis para aqueles que não compartilham da estranha sensação de que, a despeito dos fogos coloridos, das conversas animadas e do alarido das ruas, tudo é (ou deveria ser) silêncio e introspecção.
Arrisco algumas conclusões sobre este pesar bastante, digamos, peculiar. A primeira é de ordem psico-social: há aquela irrefreável necessidade de sertir-se feliz, já que todos ao redor se dizem felizes. Seria algo como uma indução impessoal, mas direta. Aqueles que não aderem, delibradamente ou não, à corrente, frustram-se duplamente ao ver-se à margem emocional coletiva. A motivação econômica (Gramsci deve ter alguma idéia a respeito, certamente tem) está intimamente ligada à primeira causa: é época de consumo desmedido, aquilo que os jornais e os economistas chamam, fria e levianamente, de "a principal data do ano para o comércio". Àqueles para os quais essa regra não se aplica, o efeito é igual frustração, codificada em uma espécie de derrotismo social - o insucesso, traduzido na impossibilidade financeira de fazer o que "todos" fazem em fim de ano, ou seja, presentear e festejar.
Mas cá eu me pergunto: festejar o quê? Diriam-me os cristãos, protagonistas da celebração - e, antecipo-me, não sem razão -, que é o nascimento de Cristo que comemoramos. Pois bem. Assim chegamos à terceira proposta de explicação para o desalento de fim de ano: somos incapazes de consolidar aquilo que durante algumas semanas de dezembro nos comprometemos a tornar perpétuo e infindável. Temos a tenaz capacidade de moldar e reproduzir à exaustão uma utopia de sentimento que pomos de lado assim que a data se distancia nas linhas e colunas do calendário. Reconhecemos e legitimamos essa ineficiência todos os anos. O Natal tornou-se um simulacro daquilo que gostaríamos muito que fosse verdade entre nós, humanidade. A melancolia de final de ano é assim, ao menos para mim e alguns outros, apenas uma forma distinta de enxergar a condição humana.
E não me engano, acho. Alguém disse certa vez que não há problema algum em sentir-se triste. Acrescento que não deveríamos nos sentir envergonhados. É a máxima expressão do humano, certificado de procedência de nossa natureza emocional, tão distinta dos outros seres. No entanto, desvinculado do dualismo pessimismo/otimismo, ou mesmo da data, a melancolia que ronda o final simbólico de um período inventado pelo Homem para marcar sua trajetória deveria receber maior atenção quanto às suas causas. Este é o melhor mundo que conseguimos fazer? Há, mesmo que milimétrica, esperança de tornarmos o convívio - entre nós e entre tudo o mais - um pouco mais harmônico?
É a quase completa frustração: gostaria de obter respostas para perguntas que não são feitas. Preferimos então o simulacro disfarçado de celebração alegre ao invés de um questionamento profundo acerca das coisas da vida, recorrentemente invocadas justamente nesse período. Penso que, a despeito do alarido das ruas, tudo deveria, de fato, ser silêncio e introspecção. Quem sabe descobriríamos motivos realmente relevantes para a principal data do ano para o comércio.
Arrisco algumas conclusões sobre este pesar bastante, digamos, peculiar. A primeira é de ordem psico-social: há aquela irrefreável necessidade de sertir-se feliz, já que todos ao redor se dizem felizes. Seria algo como uma indução impessoal, mas direta. Aqueles que não aderem, delibradamente ou não, à corrente, frustram-se duplamente ao ver-se à margem emocional coletiva. A motivação econômica (Gramsci deve ter alguma idéia a respeito, certamente tem) está intimamente ligada à primeira causa: é época de consumo desmedido, aquilo que os jornais e os economistas chamam, fria e levianamente, de "a principal data do ano para o comércio". Àqueles para os quais essa regra não se aplica, o efeito é igual frustração, codificada em uma espécie de derrotismo social - o insucesso, traduzido na impossibilidade financeira de fazer o que "todos" fazem em fim de ano, ou seja, presentear e festejar.
Mas cá eu me pergunto: festejar o quê? Diriam-me os cristãos, protagonistas da celebração - e, antecipo-me, não sem razão -, que é o nascimento de Cristo que comemoramos. Pois bem. Assim chegamos à terceira proposta de explicação para o desalento de fim de ano: somos incapazes de consolidar aquilo que durante algumas semanas de dezembro nos comprometemos a tornar perpétuo e infindável. Temos a tenaz capacidade de moldar e reproduzir à exaustão uma utopia de sentimento que pomos de lado assim que a data se distancia nas linhas e colunas do calendário. Reconhecemos e legitimamos essa ineficiência todos os anos. O Natal tornou-se um simulacro daquilo que gostaríamos muito que fosse verdade entre nós, humanidade. A melancolia de final de ano é assim, ao menos para mim e alguns outros, apenas uma forma distinta de enxergar a condição humana.
E não me engano, acho. Alguém disse certa vez que não há problema algum em sentir-se triste. Acrescento que não deveríamos nos sentir envergonhados. É a máxima expressão do humano, certificado de procedência de nossa natureza emocional, tão distinta dos outros seres. No entanto, desvinculado do dualismo pessimismo/otimismo, ou mesmo da data, a melancolia que ronda o final simbólico de um período inventado pelo Homem para marcar sua trajetória deveria receber maior atenção quanto às suas causas. Este é o melhor mundo que conseguimos fazer? Há, mesmo que milimétrica, esperança de tornarmos o convívio - entre nós e entre tudo o mais - um pouco mais harmônico?
É a quase completa frustração: gostaria de obter respostas para perguntas que não são feitas. Preferimos então o simulacro disfarçado de celebração alegre ao invés de um questionamento profundo acerca das coisas da vida, recorrentemente invocadas justamente nesse período. Penso que, a despeito do alarido das ruas, tudo deveria, de fato, ser silêncio e introspecção. Quem sabe descobriríamos motivos realmente relevantes para a principal data do ano para o comércio.
Comments:
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Pessoas,
nesse clima de pessimismo recomendo um documentário lindíssimo e tristíssimo ao mesmo tempo. Chama-se "Nós que aqui estamos, por vós esperamos". Alguém viu? Quem não viu, por favor, veja.
A trilha sonora é emocionante.
Nunca disse o que gostaria de ter escrito, mas gostaria de ter feito esse filme.
Beijos
FELIZ Ano Novo a todos!!!
nesse clima de pessimismo recomendo um documentário lindíssimo e tristíssimo ao mesmo tempo. Chama-se "Nós que aqui estamos, por vós esperamos". Alguém viu? Quem não viu, por favor, veja.
A trilha sonora é emocionante.
Nunca disse o que gostaria de ter escrito, mas gostaria de ter feito esse filme.
Beijos
FELIZ Ano Novo a todos!!!
Eu não acho que deva ser um período de silêncio e introspecção. Aliás, introspecção demais, nã nã nã nã.
Abraço.
Abraço.
Gostei do texto, Jardel..
Só agora consegui ler e comentar.
Concordo que esse período deveria ser de um pouco mais de introspecção.. afinal de contas, de alguma forma, trata-se de um final. Pode ser um final que inventamos, porque quase tudo continua basicamente como estava em 31 de dezembro do ano anterior.
Mas acho que todo o final serve para alguma avaliação: final de ano escolar, final de namoro, final do campeonato brasileiro.. os pontos marcados, ou perdidos.. os planos..
E eu ainda prefiro um pouco de tristeza que a alegria exagerada e perdida... eu acho.. e isso sem muita tequila, né?!
Beijos!!!!!!
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Só agora consegui ler e comentar.
Concordo que esse período deveria ser de um pouco mais de introspecção.. afinal de contas, de alguma forma, trata-se de um final. Pode ser um final que inventamos, porque quase tudo continua basicamente como estava em 31 de dezembro do ano anterior.
Mas acho que todo o final serve para alguma avaliação: final de ano escolar, final de namoro, final do campeonato brasileiro.. os pontos marcados, ou perdidos.. os planos..
E eu ainda prefiro um pouco de tristeza que a alegria exagerada e perdida... eu acho.. e isso sem muita tequila, né?!
Beijos!!!!!!
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