quarta-feira, outubro 05, 2005

Texto para quem tem sono

Antes de qualquer coisa, quero advertir que o texto a seguir é chato. Chatíssimo. Mas a verdade é que deu pena de não publicar. Eu gostei. De qualquer modo, pode ser útil para uma noite de insônia. Aproveitem.

Eu adoro esse blog. Ele me motiva. Agora pouco li o comentário do Jardel (um dos maiores responsáveis pela minha busca árdua em entender como funciona o Brasil) e corri pro atalho do Word.

Pois bem, a idéia de aumentar impostos no intuito de melhorar o problema da má distribuição de renda no Brasil é nobre. O que chama a atenção na idéia (imaginada por muitos amigos da esquerda e direita brasileira) são basicamente dois fatos. O primeiro é que isso já foi feito pelo menos 73 vezes nos últimos cinco anos, no mínimo, e não melhorou nada em termos práticos. O segundo é baseado em exercícios básicos de lógica.

Exercício n°1 - Partindo do pressuposto que temos no Brasil uma carga tributária que consome (diretamente) 40% do que um trabalhador assalariado com carteira assinada recebe - uma das dez maiores do planeta - facilmente concluímos que a sonegação é altíssima. Aumentando os tributos - em espécie e valores - aumentamos os sonegadores, logo arrecadamos menos efetivamente. Mas como ganhar o mesmo cobrando menos?

Exercício n°2 - Tomamos o exemplo dos EUA. Os tributos consomem menos de 10% da renda, como arrecadam mais? Simples. Todos pagam. Mas como todos tem dinheiro? Simples. Todos têm emprego, formal ou informal. Como eles geram tanto emprego? Simples. Não existe tributação na produção, os principais empregadores nos EUA são pequenas e médias empresas que facilmente contratam funcionários sem maiores encargos sociais - motivo pelo qual a maioria das pequenas e médias empresas no Brasil vai a falência. Ahá! Mas se existe emprego informal também há sonegação? Pouca, pois a maior fonte de tributos é arrecadada apenas no preço final das mercadorias consumidas. Há pouquíssimos descontos em folha. Há uma reação em cadeia: mais pequenas empresas geram mais empregos e isso gera mais consumo, que é real fonte arrecadatória americana.

Exercício n°3 - Voltando ao Brasil, imaginemos que o governo decide aumentar impostos pra "acabar" com a má distribuição de renda. O nobre governo decide que apenas a classe média, os ricos e as empresas pagarão, pois quer privilegiar os pobres. Mesmo se acontecesse o milagre da honestidade nos nossos políticos e esses repassassem toda (digo, TODA) a grana para os pobres, ainda assim esses sairiam perdendo. Como? Vamos imaginar que nós do blog somos donos de pequenas fábricas: eu tenho uma fábrica de milho e ervilha enlatada, o Dani faz farinha de trigo, o Jardel faz laticínios, a Carol tem um aviário e o Felipe (lembram dele?) faz sal e açúcar refinado. O aumento de impostos vai ter um custo e vocês não querem demitir funcionários. O que vocês fazem? Aumentam o preço final do produto. Daí, o pobre vai ao supermercado e constata que o custo da cesta básica aumentou, digamos 5%. Esse aumento tem mais impacto no salário dele (R$ 200) do que no da classe média (R$ 1500). O governo socialista ferrou o pobre. Ah não! O governo proporcionou o Brasil Sorridente, claro, um excelente serviço social deprimeiromundo. Agora o pobre vai poder colocar aparelho ortodôntico depois de uma fila de oito anos.

O aumento de impostos só privilegia os políticos. Essa é a grana que eles usam pra comprar votos no congresso (como semana passada, na eleição da câmara), aumentar seus fundos de campanha, seus salários e verbas de gabinete. Todos eles fazem isso, pois sabem que é fácil pedir dinheiro pro povo, o povo é imbecil. Fazem isso abalizados pelo socialismo, o opiáceo intelectual.

Comments:
Anexo 1 - Relato de quem tentou abrir uma pequena empresa no Brasil e não conseguiu. No Brasil ou você é dono da Coca-cola, ou você tem que ter muuuuita grana pra investir, senão não consegue abrir nem padaria.

Anexo 2 - O fato de países desenvolvidos tributarem apenas o consumo, faz de pessoas como Carol e eu interessantes pra eles. Mesmo empregados informalmente, contribuíremos quase tanto quanto um nativo pobre.
Vale muito a pena ser pobre fora do Brasil, você consegue viver de maneira digna e com qualidade de vida melhor que a classe média daqui vive.

Claro que há de se saber como, quando e pra onde ir.

Abraços
 
Isso tudo é muito triste. Por mais respeito que todos mereçam, não consigo deixar de achar um tanto precipitado - para ser polido e dizer o mínimo - taxar de "simples" discussões como essa. Não pode ser simples, partindo do princípio que somos pessoas de 20 e tantos anos e nenhum de nós se ocupa em filosofar o funcionamento do sistema econômico-social do mundo.

Em segundo lugar, penso que cabe uma ressalva, aos meus berros: não propus aumentar impostos para acabar com a desigualdade. Foi uma ironia, que julguei ser refinada.

É triste, sobretudo, a confusão fomentada, reescrita, cultivada: "governo socialista", "opiáceo intelectual" (!)...

Minha proposta, vejam, jamais foi apontar uma saída "por aquela porta, ali". É sugerir uma reflexão, que acho ser mais que urgente.
 
E isso tudo é mais triste ainda vindo de cabeças pensantes. Não digo das lógicas econômicas, falo da vida real, daquela que a gente dá de cara quando nos pedem um trocado na rua e a gente pensa "porque este imbecil, desocupado, vadio, ignorante não vai trabalhar como eu, cacete?".

Não é tão simples, não.
 
E peço desculpas a todos por essas discussões "chatas". São chatas mesmo. Necessárias, mas chatas. E necessárias, mas também infrutíferas. A história do Homem é a história dos erros, do egoísmo e da incapacidade de entendimento.

Vou procurar me esforçar para ver a vida em cor-de-rosa e fingir que não sei que até nos EUA tem gente que se proteje do frio com papelões. E vou fazer exercícios diários para conseguir, finalmente, enxergar o meu próprio umbigo, só o meu.
 
Só pra constar: eu abri uma empresa, sei como funciona.
 
Hmmm.. Jardel, também não acho que a solução seja simples. Usei a palavra "simples" pra ilustrar que TRIBUTAÇÃO pode ser simples e eficaz, contrariando o que temos aqui.

Sei que nos EUA existe gente miserável, mas sonho com o dia que teremos números de miseráveis iguais aos americanos. De qualquer modo, estava falando da população pobre, essa vive dignamente lá, enquanto aqui pobre consegue apenas se manter vivo.

Quanto ao "governo socialista", estou esperando que alguém me convença que o governo Lula não é. Até hoje, ele só me deu motivos pra acreditar que seja (alguns deles já foram comentados aqui inclusive). Na verdade, eu penso que podem clasificar o governo como bem entenderem, desde que não chamem de neoliberal. Isso ele não é mesmo. Dá uma olhada nisso: http://veja.abril.com.br/280905/tales_alvarenga.html (ir em "comprei em banca", a senha é AIMORÉS)

Se eu quebro minha cabeça lendo teorias econômicas e administrativas públicas é porque -assim como tu - não me conformo em ver alguém pedindo dinheiro na calçada. Cada vez que eu vejo um moleque de rua, penso no que poderia ser feito pra melhorar a vida dele. E acho que isso parte de reformas estruturais que já foram testadas em outros lugares e deram certo. Mais alguns exemplos: Cingapura (anos 90), Irlanda (anos 70), Nova Zelândia (70) são países que beiravam o caos, mas fizeram reformas liberais e hoje são próperos. Volto a lembrar que estou aberto a ouvir exemplos de países que tenham saído de recessão por uma outra via, pois até agora ninguém soube me dizer.

E só chamei o socialismo de opiáceo intelectual, não porque o despreze - embora não encontre socialismo eficaz fora de escandinávia -, mas porque barbaridades são cometidas todos os dias sob a bandeira socialista. E acho isso fácil de entender, uma vez que os políticos brasileiros vendem o socialismo como uma maneira de se obter as coisas de graça.

E Jardel, se te "provoco" é porque sei que é um dos únicos em condições de me responder em alto nível. Acho extremamente saudável que tenhamos pontos de vista opostos e quero cultivar nossos debates "infrutíferos" , pois sei que sempre aprendemos e ganhamos algo com isso. Por isso, não acho que devas se sentir triste ou desanimado. A "incapacidadade do entendimento" como bem disse, só é superada pela vontade de se entender o outro.

Te considero um grande amigo. Já aprendi muito contigo nessas discussões

Abraço
 
Meu caro amigo, não queria parecer agressivo. Apenas manifestei um desânimo real que venho acumulando desde consegui enxergar as coisas. Nossos debates são, sim, importantes e provam a nossa vontade de fazer a coisa evoluir para melhor. Mas cada dia mais tenho a impressão de que nos incomodamos demais - eu do meu lado, tu do teu - com coisas que, além de estar fora da nossa alçada, ainda independem de quem quer que seja, pois são insolucionáveis. Não tentei fazer uma frase de efeito, penso sim que a história do Homem é uma história de erros e incompreensão.

Mas estou sempre aqui para discutir esses assuntos.

Só o seguinte: eu poderia fazer um texto pra tentar explicar isso, mas vou dizer apenas em algumas linhas para que reflitas. Tu pedes para não considerarmos o governo petista um governo neo-liberal. Pois bem, não usas então "socialismo" para situar modelos contrários ao teu ou ao liberalismo. Isso é um erro cabal de história e teoria econômica e social. Assim como o governo Lula não "seria" neo-liberal, a URSS não foi o sonho comunista imaginado pelo Marx.

Grande abraço a todos, especial para ti.
 
ai.. quero um abraço especial também. coisa séria vocês dois. no bom sentido, claro! ;)

E eu continuo com a máxima: Tudo, tudo na comunicação é mal-entendido (com ou sem hifen).

Beijos
 
Abração especial pra ti, Carol.

Pra ti também, Dani.

Ãrrrã.
 
ah.. e eu não queria ter um aviário não...

hey... esse título do último texto já tá me dando sono mesmo... alguém quer fazer o favor de escrever??? hein! hein?

eu não posso porque vou passar os próximos dias descansando em floripa.. ai ai... me invejem... e tb vou aproveitar o encontro de psicanálise.. vou sim...

beijocas pra vocês!
 
Ainda posso dizer o que eu gostaria de ter escrito? Tá bem, estou um pouco atrasada, mas li um texto hoje e lembrei das discussões de vocês.

É parte de um texto do Eduardo Galeano em que ele condena a repressão a dissidentes em Cuba.

"A má consciência não me enrola a língua para repetir o que já disse, dentro e fora da ilha: não acredito, nunca acreditei, na democracia do partido único (mesmo nos Estados Unidos, onde há um partido único disfarçado de dois), em creio que a onipotência do estado seja a resposta a onipotência do mercado.
As extensas condenações à prisão são para mim golos na própria baliza."

Mais uma, para terminar.

"A liberdade apenas para os partidários do governo, apenas para os membros do partido, por muitos que sejam, não é liberdade. A liberdade é sempre a liberdade para o que pensa diferente" - Rosa Luxemburgo

Beijos a todos
 
Pessoas, onde está escrito "em creio que a onipotência", leia-se "nem creio..."
 
Vem cá... se desinteressaram pelo blog? Não escrevo nada porque já o fiz nas últimas semanas e alguns dos textos mais recentes são meus. Pedido encarecido meu: não deixem a coisa morrer. Eu e o Eduardo nos comprometemos a não escrever mais textos chatos, né não Edu?

Abraços a todos vocês.
 
Que anônimo nada! Fui eu quem escreveu o comentário acima. Tô tão ansioso por novos textos que esqueci de assinar...
 
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