domingo, outubro 02, 2005
Lembrança do Senhor do Bonfim
Contam que havia, em uma cidade um pouco longe daqui, um senhor de memória extraordinária que costumava decorar os sonhos dos outros. Ele nunca teve um sonho só seu, pois temia ver sumir a lembrança dos sonhos de seus vizinhos, parentes e amigos ao ceder espaço aos seus próprios.
Aquele senhor, após longos anos, tornou-se famoso por onde passava. Era guardião de centenas de desejos e, no entanto, não tinha nenhum. Certa vez, o senhor que nunca havia feito um pedido sequer adormeceu e sonhou. No sonho, ele recebia o dom de realizar os pedidos de todos os seus conhecidos. Em uma alegria sufocante, pôs-se a procurar na memória o primeiro pedido que ouviu de um amigo. Lembrou-se do garçom, homem muito amigo de conversas, e do dia em que lhe entregou seu maior sonho, que era... O senhor havia completamente esquecido o que o garçom tanto queria. Mas, tudo bem, deixou de lado. Pensou em sua irmã, mas nada. Esquecera de cada sonho. Não sobrara um pedido qualquer em sua memória a fim de ser realizado, nem o seu mesmo, no qual nunca havia pensado. Pensou no que estaria desejando sem saber...
Ao acordar, o senhor percebeu que precisava fazer alguma coisa. Imagine se um dia recebe mesmo o tal dom! Poder realizar qualquer pedido, mas estragar tudo por perder a memória! Isso não.
O senhor saiu às ruas à procura de cada sonho. Amarrou, no braço de todo aquele que lhe revelou algum sonho, uma fita de cor específica. Cada cor indicava a intenção do pedido: este quer amor; aquele, saltar de pára-quedas. E foi assim até o último de seus dias. O senhor, que desejava (finalmente) morrer para, então, feito santo ou gênio, realizar os desejos das pessoas na Terra, faleceu logo depois de fazer seu lanche em um restaurante chamado Bonfim. Após investigações médico-policiais, conheceu-se o veredicto: o senhor havia morrido por alta dosagem de sonhos. Foram interrogados todos os suspeitos, desde o dono do restaurante ao guardador de carros, do vizinho a seu tio da cidade vizinha. Fato de interesse, e possível pista relevante para desvendar o caso, foi que cada um dos interrogados usava uma fita no braço, mesmo que de cores diferentes, todas caracterizavam-se por três nós bem apertados, o que tornava todos, de alguma forma, cúmplices.
Pouco tempo depois, as pessoas daquela cidade começaram a receber graças. Algumas se tornaram milionárias, outras se casaram. Muitos emagreceram e outros tantos tiveram sucesso em concursos e competições. A cidade cresceu e trocou de nome, passou de Trevos do Oeste para Afortunada do Norte. As investigações acerca daquela morte estranha e repentina cessou, pois até os presidiários da cidade foram soltos e os juizes tiraram férias para sempre.
Dizem, e por isso sei, que, até hoje, os filhos (dos filhos dos filhos) dos amigos daquele senhor amarram (com os três nós) as fitas (de muitas cores) nos braços de quem quiser sonhar, e contam a história da incrível lembrança do senhor que morreu de tanto sonho no Bonfim.
Comments:
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Esse 'conto' é uma coisa da cabeça dessa maluca. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
Até é grande o conto, mas se lê numa levada: bom sinal.
Se eu elogiar muito e disser que só dá essa importância aos sonhos quem os tem em larga conta, vão me chamar de puxa-saco... Hehehehe!
Tá bem bonito, viu Carolina? Não entendi o porquê do conto entre aspas ali no teu comentário... É um conto mesmo o que tu escrevesses!! E dos que eu gosto de ler, despretensioso e bonito.
É uma pretensão linda essa, quase utópica... Viver e morrer pelos sonhos dos outros... Mas alguém devia fazer isso, né?
Saludos.
Se eu elogiar muito e disser que só dá essa importância aos sonhos quem os tem em larga conta, vão me chamar de puxa-saco... Hehehehe!
Tá bem bonito, viu Carolina? Não entendi o porquê do conto entre aspas ali no teu comentário... É um conto mesmo o que tu escrevesses!! E dos que eu gosto de ler, despretensioso e bonito.
É uma pretensão linda essa, quase utópica... Viver e morrer pelos sonhos dos outros... Mas alguém devia fazer isso, né?
Saludos.
Não, meu caro Eduardo, não. Logicamente o foco deve ser os pobres, mas não só. Vamos ajudá-los: que tal aumentar o imposto que eu e tu pagamos? Cobre-se de quem pode pagar, ora. Sou chato e me repito: destruam essa coisa nojenta e asquerosa chamada concentração de renda.
Belo conto, Carol. De certa forma, distribuir sonhos é o que tentamos fazer neste blog, não?
Abraço a todos.
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Belo conto, Carol. De certa forma, distribuir sonhos é o que tentamos fazer neste blog, não?
Abraço a todos.
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