domingo, setembro 04, 2005

Brits and I

Entrei firmemente apressado no pub, fugindo do vento, na última sexta à noite. O jogo do meu time, o Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense - Imortal Tricolor, Campeão do Mundo -, havia começado momentos antes e, logicamente, eu estava alguns minutos atrasado. O Mulligan, desde o primeiro instante, me revelou uma satisfação estranha, uma pretensa britanicidade perdida em sombrias gerações passadas, e passei a frequentá-lo quase que constantemente - ou o suficiente para ser reconhecido pelos atendentes, receber um tratamento mais próximo e perceber que, em alguns dias, a cerveja de fato não estava como deveria. Não chega a ser exatamente um pub, na máxima acepção da palavra: lhe faltam os dardos, uma mesa de bilhar e algum velho de cara rosada numa mesa, escondido sob uma boina xadrez, efetivamente taciturno. Mas é, posso atestar, um bom lugar. A cerveja é de muito boa qualidade, artesanal, além do mais eles têm Guinness, mas pode-se agradar ao paladar sem agredir o bolso.

Entrei apressado e procurei o balcão, indispensável. Sentei alguns bancos aquém do ideal, ao lado de figuras imensas, que gritavam desde a minha chegada. Eu estava com minha camisa Tricolor e eles pareciam identificar com isso um amigo (porque sorriam), mas me pareceu ter sido confundido com um inimigo (porque gritavam). Nunca frequentei um curso de idioma anglo-saxão a fim de não perder o escasso accent que herdei não sei de quem e para o qual Noel Gallagher contribuiu. Mas na ocasião não compreendia nada!

Depois de saudações iniciais e, na medida do possível, simpáticas, procurei me concentrar no jogo. Eles agitavam-se, falavam alto, riam - riam muito, sabe lá Deus do quê. Eu, fone nos ouvidos, olhos na TV, a mão girando o copo que se apresentava à minha frente.

Eram em número de multidão, representavam um perigo para qualquer força policial responsável por contêr aglomerações belicosas: dois. Um deles, o primeiro que me foi visível da porta, era o protótipo do hooligan, daqueles que o jornalista Bill Bruford relatou tão assustadoramente bem no livro Entre os Vândalos. A cabeça raspada e uma grande distância entre os dois ombros. Na camisa, The Clash: "London Calling". O segundo, um tipo mais comedido, camisa branca da seleção inglesa, movia-se menos, mas estava plenamente entrosado com o primeiro. Formavam, não posso negar, uma ameaça à estabilidade do ambiente. Os atendentes fitavam, curiosos e depois um tanto amedrontados, nós três. Depois de certo tempo, um terceiro súdito da rainha se apresentou, pacato. Tinha o rosto mais rosa que já eu vira, era corpulento como os demais. No entanto, justiça seja feita, falava em menor amplitude.

Descobri que poderiam ser de Londres e resolvi problemas fundamentais de linguagem entre eles e os atendentes - incluindo provocações grosseiras para com a única moça a trabalhar na casa. No fim do jogo, estabelecemos uma didática acerca das cores (ficaram encantados com nossa escala cromática, "azul", "verrrmêlhou" e "amarrrélou"). De resto, esporádicos brados curiosos (iiinnnteeerrr!), que explicavam a recepção que tive, e frequentes berros e risadas satânicos, acompanhados de rápidos movimentos que me obrigavam a me manter sempre alerta. Nos minutos finais, cada um destruiu uma espécie de sanduíche de carne, ricamente decorado, e uma porção de fritas. Valorizavam muito a cerveja Miller, uma estima que calculei em torno de oito garrafas para cada um. Logicamente essa admiração toda fez seus efeitos ainda por volta do intervalo da partida.

Eu assistia ao jogo tranqüilamente e eles pareciam surpresos comigo. Não sei bem a razão, mas não gostavam do Grêmio (gol de Jeovânio, o dedo em riste para mim: "you lucky bastard!").

Eu estava estarrecido com eles, agora que os conhecia pessoalmente, cidadãos comuns de um país que ainda consigo admirar. São é uns bárbaros, esse é o termo.

Comments:
Parabéns pelo texto, Jardel! Muito gostoso de se ler!

Eu conheci un inglês lá em Buenos Aires, quando do jogo do Brasil com a Argentina. Ele era torcedor do Arsenal, fomos conversando no ônibus até chegar no Monumental. Show de bola, até escrevi isso no meu "fotolog do danilito", hehehe!

Abraços.
 
Bacana mesmo o texto!

É. Todo povo tem suas maças podres. Eu queria ter visto a cena, deve ter sido muito engraçado.

Abraços também
 
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